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[Crônica] A Balança Contra-ataca

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70.55. Há uns 20 segundos estou olhando incrédula para o visor da balança que esfrega na minha cara que perdi apenas 200 gramas essa semana. Não é possível, fiz tudo o que eu tinha que fazer. Tirei o máximo possível de roupa antes de subir na balança, acabei de sair da esteira depois de 30 minutos de total cansaço e suor e parece que nada adiantou. Repasso mentalmente o meu cardápio da semana, nada de errado, agora repasso a minha rotina de treinos, nada de errado também. O que será que esta acontecendo?

Agora já se passaram um pouco mais de 20 segundos e resolvo sair de cima da balança, tinham mais mulheres no banheiro da academia que estavam precisando da dose diária de tortura. Enquanto sigo para o chuveiro as mesmas perguntas me atormentam: 200 gramas? Comi alguma coisa de errado? Exagerei no arroz, só pode ter sido ele. Fiz corpo mole durante o treino? Será que foi por conta daquele dia que desisti da esteira aos 25 minutos e não terminei os 5 restantes?

Saio do banho e me visto com certo desânimo, perdi até a vontade de encontrar minha irmã no shopping em seguida. Mas não tem escapatória, desmarcar uma ida ao shopping teria conseqüências piores do que recusar um encontro com o Cauã Reymond. Ele pelo menos não ficaria me atormentando pela falta de comprometimento e eu sofreria sozinha com meu ato falho. Minha irmã não, ela faria coisas terríveis e me perturbaria por dias seguidos com chantagens emocionais do tipo “nunca está disponível para mim”, “de que adianta ter uma irmã que não pode nem me ajudar nas compras?”. Para evitar todas essas retaliações, a ideia de desistir do passeio nem chegou na minha cabeça.

Entre uma musica e outra que tocava na rádio enquanto dirigia, o assunto do peso ainda voltava na minha cabeça. Sabia que não podia desanimar logo agora, já estava na quarta semana de treinos e dieta. Assim que comecei a mudança dos meus hábitos, decidi não me pesar todo dia justamente para evitar a paranóia com a balança, decidi só a enfrentaria uma vez por semana, pensando que acumulando por dias o meu esforço, o resultado seria muito mais satisfatório. Logo de cara perdi 2 quilos na primeira semana, aqueles números foram o maior incentivo que recebi, continuei nas regras e lá se foram mais 2 quilos na segunda semana,a minha alegria me motivou mais ainda e quando me veio o baque da terceira semana, havia perdido somente 150 gramas. Fiquei muito frustrada, procurei algum culpado naquela queda brusca de números, segurei as rédeas e segui tudo totalmente à risca, treinei como uma louca e quando me vem a quarta semana e decepciona novamente. Quando será que vou conseguir sair dos 70 kg e entrar na casa dos 60?

Pensando nisso tudo entrei no shopping e lá estava ela me esperando.
_ Finalmente Mariana! Se perdeu?
_ Vim direto da academia, demorei um pouco mais no banho.
_ Que obsessão essa com a academia, acho que ela não está te fazendo bem, que cara de desânimo é essa?
Não podia contar para a Julia que estava totalmente desanimada pq não tinha perdido 1 quilo durante essa semana, ela iria fazer chacota da minha frustração e eu ainda ia me sentir uma boba por me importar tanto com isso.
_ Nada não, acho que cansei demais, sexta-feira a noite tudo fica cansado né?
_ Menos eu! Não vejo a hora de comprar um roupa para a balada de sábado, nem que eu passe a noite toda aqui, eu vou sair um visual arrebatador.
Quase soltei fogos de alegria, só que não.

Entramos na primeira loja e lá estava minha irmã saltitando entre as araras e eu resolvi entrar no clima e comecei a buscar alguns modelos interessantes. No início buscava roupas para ela, era muito mais fácil vestir o corpo magro da Julia do que o meu. Depois de um tempo comecei a me interessar em alguns modelos, mas sempre me vinha duvida “será que vai ficar bom em mim?”. Encontrei uma calça linda, ela era vermelha com detalhes em preto, quase que imitando uma estampa animal, o tecido era jeans. Ela era linda, mas para ter certeza pedi a opinião da minha companheira.
_ O que você acha dessa calça?
_ Linda!
_ Também achei, mas não sei se vai ficar boa em mim.
_ Por que não? Só tem um jeito de saber, experimentando.

Não era preciso de muito esforço para se chegar nessa tese, mas a verdade era que eu odiava provar roupa em loja, sempre tinha sensação de estar sendo enganada. Perdi as contas de quantas roupas ficaram lindas nos provadores e que se tornaram um bagulho quando cheguei em casa. Mas não tinha outro jeito, se experimentando eu corria esse risco, imagina atirando no escuro? Melhor não pagar para ver.

Depois de um século esperando a vendedora retornar com a calça número 42, finalmente vou para o provador. Quando estou vestindo a calça, estranho que ela não se agarra nas minhas pernas. Tudo bem. Fecho o botão com muita facilidade e me espanto quando olho no espelho. A calça ficou horrível porque está larga. A calça ficou larga. A calça 42 não serve mais em mim. Ou eu que não sirvo mais para um calça 42? Fico olhando abismada para o espelho medindo o quando de tecido está sobrando nas minhas pernas, estico a parte de cima para ver o quanto de espaço que sobra entre a calça e a minha barriga. Impossível ficar com toda essa novidade só para mim.
_ JULIA! JULIA, CADÊ VOCÊ?
_ O que é?
Ela coloca a cabeça para fora do provador ao lado do que eu estava. A emoção foi tanta que nem percebi.
_ Olha isso! A calça ficou larga!
E puxo o a parte da frente mostrando o espaço e estico o tecido das pernas para dar mais ênfase.
_ Uau! Parabéns!
_ Nossa, não consigo acreditar.
_ Por que não? Esse não era o seu objetivo quando decidiu mudar a alimentação e entrar na academia?
_ Sim, claro, mas não imaginei que fosse acontecer tão… rápido.
Quando terminei a frase mil coisas vieram na minha cabeça, mas nenhuma delas me disse que tinha se passado muito tempo. A vendedora apareceu.
_ E ai, tudo certo com a calça?
Estufei o peito e disse com o maior orgulho.
_ Não, ficou horrível, você pode me trazer a 40?
_ Já volto.

Fiz tanto reboliço quando a calça 40 ficou perfeita que contei para a vendedora que estava tentando emagrecer e aquela calça foi a primeira prova de que estava dando certo. E ela me perguntou “quantos quilos você já perdeu?” respondi “quase 5 quilos em quatro semanas” tinha que dar uma aumentada no meu ego, afinal 4.350, era quase 5, ela me olhou e disse “Parabéns, é muita coisa em tão pouco tempo”, concordei com um sorriso que não cabia em mim.

Não me lembro de um dia ter comprado algo com tanta satisfação como foi com aquela calça. Carregava a sacola pelo shopping como se fosse um troféu, um prêmio pelo meu esforço e dedicação. Foi aí que me lembrei daquele dilema anterior com a balança. Acho que estou me cobrando demais, se eu tivesse a fórmula para perder 2 quilos toda semana eu ficaria rica. Lembro de ter visto alguém falando que a verdadeira prova do emagrecimento estava nas roupas e no espelho, e não nos números. É estranho que eu não tenha lembrado disso mais cedo, mas não importa, não vejo a hora de chegar em casa e mostrar para todo mundo o meu primeiro troféu. Quando será que vai vir o próximo?

 

** A sessão Passagens do Cotidiano reúne pequenas histórias de ficção baseadas nos fatos rotineiros que acontecem com todas nós que decidimos mudar os hábitos. Elas sempre estarão com a sigla [PDC] antes do título para facilitar a identificação.

Tem 29 anos, é de Brasília e já se divertiu muito por aqui. Com o passar da idade sentiu que ficou cada dia mais difícil saber quais são os locais que valem a pena sair de casa. Por isso decidiu colaborar com quem também está em busca de boas opções para se divertir, comer ou descansar em Brasília.

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